Fortalecer a identidade do atedimento profissional em saúde mental não acontece de uma hora para outra, nem por acúmulo de títulos, mas sim por um processo contínuo, realista e, sobretudo, possível.
Todos os dias, quem se compromete com a escuta clínica atravessa escolhas difíceis, revisões internas e perguntas que não têm resposta pronta. A prática profissional nesse campo, que envolve psicanálise, psicoterapia e psicologia clínica, exige mais do que técnica – exige presença, ética, e um tipo de coerência interna que vai sendo construída passo a passo, encontro a encontro, supervisão após supervisão.
É por isso que, quando falamos em “identidade profissional”, não estamos nos referindo a um rótulo fixo, mas sim a um eixo que orienta decisões, sustenta a escuta e delimita com firmeza e sensibilidade o que se faz, por que se faz, e com qual intenção clínica se atua. Isso se reflete no cuidado com a formação, nas leituras que escolhemos, nos autores que nos acompanham e, principalmente, na forma como acolhemos o outro e a nós mesmos no percurso.
Mais do que nunca, construir essa identidade com base sólida é essencial. O cenário contemporâneo da formação em saúde mental está repleto de ofertas rápidas, fórmulas genéricas e promessas fáceis. Mas quem caminha com seriedade nessa trajetória sente – e sabe – que identidade se constrói com tempo, estudo e supervisão comprometida.
E talvez seja justamente isso que torne a caminhada tão rica. Porque a cada passo dado com cuidado e presença, mais firme vai se tornando o chão sob os pés.
Quando a clínica pede mais do que um currículo
Em muitos momentos, o consultório nos convida a responder perguntas que não foram ensinadas nos cursos de graduação. Por exemplo: o que fazer quando a fala do outro nos atravessa? Ou quando o silêncio é mais eloquente do que qualquer palavra? Como sustentar a escuta mesmo quando há ruído interno, insegurança ou dúvida?
Essas situações não são exceções: elas são o cotidiano. E, embora a formação acadêmica ofereça ferramentas valiosas, há nuances da prática que só se revelam na experiência, na supervisão e na escuta entre pares.
É exatamente nesse lugar que entra a formação continuada. Não como um complemento, mas como parte viva da prática. Aquilo que alimenta o trabalho clínico e ajuda a construir uma identidade profissional que não se dobra ao imediatismo, mas também não se congela em certezas.
Ao longo dos últimos anos, pesquisadores como Jon Frederickson, Patricia Coughlin e Nancy McWilliams vêm apontando a importância de um eixo identitário claro como fator determinante na eficácia clínica. E, para além da teoria, essa identidade se traduz na prática, nos pequenos gestos e decisões do dia a dia profissional.
Escutar a si mesmo também é parte da clínica
Talvez uma das ações mais importantes na construção dessa identidade profissional seja a disposição em escutar a si mesmo com o mesmo respeito e curiosidade com que escutamos nossos pacientes.
Na prática, isso significa observar com atenção as próprias reações durante os atendimentos, identificar padrões, reconhecer limites e, acima de tudo, se permitir revisitar escolhas que talvez tenham sido feitas de forma automática.
É claro que essa autoescuta não substitui a supervisão – mas ela pode tornar o processo de supervisão ainda mais rico. Porque quando se chega à supervisão com perguntas vivas e não com certezas prontas, a aprendizagem se torna realmente transformadora.
Além disso, escutar a si mesmo é também um movimento de cuidado. Em um campo onde os atravessamentos são intensos e constantes, sustentar a escuta exige encontrar espaços de acolhimento interno. Não como fuga, mas como sustentação.
Para aprofundar esse processo, listamos algumas posturas que fortalecem essa escuta interna:
- Reservar ao menos um momento semanal para refletir sobre os atendimentos realizados.
- Manter um diário clínico – mesmo que breve – para registrar impressões e afetos.
- Observar reações recorrentes diante de determinados tipos de fala ou situação.
- Identificar quais temas despertam mais envolvimento ou resistência.
- Buscar referências teóricas que dialoguem com o que é vivido na clínica.
Essas pequenas ações, quando praticadas com regularidade, ajudam a construir um senso de presença clínica que não se limita à técnica, mas inclui o cuidado com o próprio lugar como terapeuta.
Entre teoria e prática: como a escuta vai se tornando mais afinada
Não é incomum ouvirmos que “a teoria é importante, mas na prática é tudo diferente”. No entanto, essa separação entre teoria e prática pode empobrecer ambos os lados.
Na experiência da Elaine e de tantas outras profissionais que atuam com seriedade na psicanálise contemporânea, o que se revela é o oposto: a prática se torna mais potente quando a teoria é viva, ou seja, quando ela não é usada como manual, mas como lente. E essa lente só se torna nítida quando é usada de forma crítica e encarnada na experiência.
Estudar saúde mental não se trata de acumular conteúdo. Trata-se de encontrar autores, textos e ideias que ajudem a sustentar o lugar de escuta, especialmente nos momentos em que a clínica se mostra mais desafiadora.
É por isso que muitas das ações que fortalecem a identidade profissional estão ligadas ao modo como se estuda. Não basta estudar muito. É preciso estudar com intenção, com direção e com presença.
Algumas estratégias que fazem diferença nesse processo incluem:
- Escolher autores com coerência entre ética e técnica (como Winnicott, McWilliams, Ferenczi, Benjamin).
- Estudar em grupos, pois a troca enriquece e amplia os olhares.
- Revisitar textos já conhecidos sob a luz de novas experiências clínicas.
- Buscar supervisão que dialogue com a base teórica escolhida.
- Priorizar conteúdos que provoquem reflexão, e não apenas prescrição.
A formação continuada se torna então uma prática viva – não uma obrigação, mas um eixo de sustentação que ajuda a manter a escuta afiada, o olhar clínico sensível e o trabalho cada vez mais afinado com as singularidades de quem chega para ser escutado.
O compromisso silencioso de seguir se formando
É possível que ninguém veja quando você estuda depois de um dia cheio, quando refaz anotações de uma aula, ou quando assiste a uma supervisão gravada pela segunda vez só para captar algo que escapou na primeira.
Mas essas ações silenciosas são profundamente clínicas. Porque é nelas que a identidade profissional vai sendo forjada. Com cuidado. Com intenção. E com um tipo de compromisso que não depende de validação externa.
Ao longo da trajetória, será possível perceber que não se trata apenas de “ser melhor terapeuta” – mas de ser mais verdadeiro no exercício do cuidado. E essa verdade não se mede por técnicas, mas pelo modo como se sustenta a escuta mesmo quando ela desafia, desconcerta ou transforma.
A construção da identidade profissional em saúde mental é, portanto, um caminho que não termina. Mas é justamente por isso que ele é tão rico. Porque a cada nova etapa, novas perguntas surgem. E a possibilidade de se reinventar na prática não é um risco – é uma chance.
Resuminho pra ficar ligado:
- Identidade profissional não é um rótulo, é um eixo clínico em constante construção.
- A escuta interna é tão importante quanto a escuta do outro.
- Teoria e prática devem dialogar – não competir.
- A formação continuada é parte da ética do cuidado.
- Estudar com direção e supervisão qualificada faz diferença real na clínica.
- O compromisso com a escuta exige cuidado também com quem escuta.
- Pequenas ações silenciosas têm impacto profundo na identidade clínica.
12 ações que fortalecem sua identidade profissional em saúde mental
Falamos em nome da equipe da Elaine Pinheiro quando afirmamos que, na prática clínica, existe um conjunto de ações que, embora pareçam pequenas ou até silenciosas, fortalecem de forma decisiva a identidade profissional em saúde mental.
Elas não aparecem em certificados nem em redes sociais, mas aparecem na consistência da escuta, na forma como se lida com os impasses e, sobretudo, na maneira como o trabalho se sustenta ao longo do tempo.
A construção de uma trajetória ética e consistente passa por decisões muito particulares, que vão além da escolha de uma linha teórica ou da carga horária de uma formação. Cada ação é como um fio que vai tecendo esse tecido identitário, que nos ajuda a sustentar nossa presença clínica mesmo diante das situações mais complexas.
A seguir, trazemos seis dessas ações, ancoradas tanto na vivência de quem está na clínica quanto nas referências teóricas que nos acompanham.
1. Escolher uma base teórica e revisitá-la com profundidade
Não importa se o ponto de partida foi por afinidade, indicação ou até pela experiência de um bom professor: o que vai fortalecer sua base ao longo do tempo é a disposição de revisitá-la com profundidade, com olhos atualizados, à medida que sua prática se transforma.
Muitos profissionais se sentem pressionados a “abraçar tudo”, estudar todas as abordagens ou se adaptar ao que está em alta. Mas identidade não se constrói na dispersão — ela é cultivada na permanência. Isso não significa rigidez, mas compromisso. Compromisso com o aprofundamento, com o desconforto que o estudo verdadeiro pode trazer e com a escolha consciente de um eixo que sustente a escuta.
Na psicanálise, por exemplo, revisitar Freud, Ferenczi, Winnicott ou McWilliams não é redundante. É parte do cuidado ético com a escuta que se deseja oferecer. Ao voltar aos textos, novas camadas são percebidas, e essa repetição criativa fortalece o lugar de onde se fala — e escuta.
2. Ter supervisão regular, mesmo após anos de prática
Não há escuta clínica madura sem supervisão. Mesmo quando se atende há muitos anos, mesmo quando já se ocupa lugar de referência em algum espaço. Supervisão não é um rito de passagem — é uma prática permanente de cuidado com o ofício.
Muitos profissionais relatam que, após certo tempo de atuação, sentem que “já não precisam mais” de supervisão. No entanto, é justamente nesse ponto que ela se torna ainda mais valiosa. Não por falta de competência, mas porque a familiaridade com certos temas pode anestesiar pontos de atenção.
Além disso, o espaço da supervisão é também um lugar de elaboração subjetiva. É onde se pode falar do que ficou em suspenso, do que atravessou, do que inquietou. E isso, em si, já é parte da ética do cuidado.
Algumas práticas que mantêm viva a supervisão como ação fortalecedora:
- Estabelecer uma frequência mínima mensal de supervisão clínica, mesmo em períodos estáveis.
- Variar o tipo de supervisão (individual, em grupo, entre pares) conforme as demandas da prática.
- Levar à supervisão não apenas os impasses técnicos, mas também as vivências internas suscitadas pelo trabalho.
- Escolher supervisoras e supervisores que mantenham coerência teórica e ética com sua prática.
- Evitar o uso da supervisão como validação — mas como espaço de elaboração real.
3. Criar um espaço de estudo constante, mesmo com agenda cheia
Nem sempre é possível manter um ritmo acelerado de estudo. A agenda cheia, as demandas da vida e o próprio desgaste da escuta clínica tornam esse equilíbrio um verdadeiro desafio. No entanto, é possível cultivar um espaço de estudo constante, mesmo em pequenas doses.
Estudar não precisa ser uma maratona. Um artigo por semana, um capítulo relido com atenção, um grupo de leitura quinzenal — tudo isso compõe um cenário possível e sustentável. E o mais importante: quando esse estudo está conectado com a prática, ele se torna alimento e não cobrança.
Estudos como os de Ericsson e outros pesquisadores da prática deliberada mostram que o aprendizado profundo acontece na repetição intencional, com foco e reflexão. E isso pode ser feito aos poucos, mas com regularidade.
Estratégias viáveis para manter o estudo vivo:
- Escolher temas que estejam atravessando seus atendimentos atuais.
- Utilizar o tempo entre sessões para leitura rápida de trechos marcados.
- Gravar áudios com reflexões e escutas pessoais sobre textos lidos.
- Participar de grupos de leitura online com encontros breves.
- Revisar materiais de cursos já feitos, em vez de acumular novos.
4. Desenvolver uma escrita clínica pessoal
A escrita é uma ferramenta subestimada na formação em psicoterapia e psicanálise, mas ela tem um poder imenso na consolidação da identidade profissional. Escrever ajuda a organizar o pensamento, identificar impasses, reconhecer afetos envolvidos na escuta e tornar mais claro o percurso do trabalho.
Não é necessário escrever para publicar. Pode ser um diário clínico, anotações soltas, reflexões que não seguem uma ordem — o importante é que haja esse espaço pessoal de elaboração. Com o tempo, essa escrita se torna uma ponte entre a experiência clínica e a construção do saber.
Na equipe da Elaine, incentivamos esse tipo de prática não como obrigação, mas como um gesto de cuidado consigo mesmo enquanto profissional. Uma escrita clínica pessoal não apenas fortalece a identidade, mas ajuda a perceber transformações que, de outro modo, passariam despercebidas.
5. Estabelecer rituais de início e fim para a rotina clínica
A clínica envolve atravessamentos que, muitas vezes, se acumulam silenciosamente. Por isso, ter rituais de abertura e encerramento da rotina de atendimentos pode ajudar a delimitar o espaço psíquico de trabalho, protegendo tanto o profissional quanto o paciente.
Esses rituais não precisam ser complexos. Podem ser um momento de silêncio antes do primeiro atendimento, um chá ao final do dia, uma anotação de algo que ficou marcado, ou mesmo uma pausa consciente antes de seguir para outras tarefas. O que importa é a intenção — criar bordas que sustentem a escuta com presença, mas também permitam desconexão após o trabalho.
Exemplos simples de rituais que podem ser incorporados:
- Respiração consciente de 2 minutos antes do primeiro atendimento.
- Revisão breve da agenda do dia com foco nos casos que exigem mais preparo.
- Caminhada curta após o último paciente para "descomprimir".
- Uso de um caderno específico para registrar insights clínicos ao final do expediente.
- Pausa intencional entre atendimentos para alongar ou respirar.
Esses gestos, por mais simples que pareçam, ajudam a sustentar o lugar clínico sem sobrecarga emocional acumulada.
6. Cultivar referências éticas e profissionais
Não se constrói uma identidade profissional sozinho. Ter referências — sejam elas autores, professoras, supervisoras ou colegas de caminhada — é parte essencial do processo.
Essas referências não servem como modelo a ser copiado, mas como pontos de apoio, inspiração e reflexão. São pessoas ou ideias que lembram, nos dias difíceis, por que escolhemos essa profissão. São também faróis éticos, que ajudam a manter o curso quando o mar da prática se agita.
Por isso, uma ação que fortalece a identidade profissional é o cultivo consciente dessas referências. Isso significa buscar conexões, escutar quem já caminhou antes, dialogar com posições diferentes e manter viva a troca entre gerações, escolas e estilos.
Essas primeiras ações formam um núcleo importante no processo de fortalecimento da identidade profissional. Elas não são metas a serem “batidas”, mas práticas a serem vividas, com constância e respeito pelo próprio ritmo.
Ações 7 a 12 que fortalecem sua identidade profissional em saúde mental
Falamos em nome da equipe da Elaine Pinheiro quando reafirmamos que o fortalecimento da identidade profissional em saúde mental não está reservado a momentos de virada ou grandes decisões, mas sim em como pequenas escolhas são sustentadas com consistência ao longo do tempo, especialmente na prática clínica.
Depois de abordarmos as primeiras seis ações, seguimos agora com mais seis caminhos que, de formas distintas, contribuem para essa construção delicada, cuidadosa e essencial.
Essas ações não precisam ser implantadas de uma vez. Podem ir se ajustando ao ritmo da clínica, da vida, da escuta. O importante é que cada uma delas represente um passo consciente na direção de uma prática mais coerente, mais ética e mais afinada com o que se deseja construir como presença profissional.
7. Manter coerência entre discurso, prática e posicionamento
Não há fortalecimento de identidade se o que se diz, o que se faz e o que se transmite estiverem desalinhados. A coerência, nesse sentido, é menos sobre perfeição e mais sobre integridade. É o gesto de sustentar, nos detalhes do dia a dia, aquilo que se acredita e propõe como profissional.
Quem acompanha o trabalho da Elaine sabe o quanto essa coerência é um valor inegociável. Um conteúdo só é publicado quando ressoa com a prática real; uma fala só é sustentada quando pode ser vivida na clínica; um posicionamento só é assumido quando está embasado em reflexão ética e teórica.
Na prática, isso se traduz em ações simples, mas impactantes:
- Evitar reproduzir discursos ou práticas que não dialogam com a própria escuta.
- Alinhar as comunicações públicas (como redes sociais) com o que realmente é vivenciado na clínica.
- Reavaliar condutas que, mesmo comuns no meio profissional, não fazem sentido para sua ética pessoal.
- Assumir posicionamentos com responsabilidade, sabendo que eles têm impacto direto na formação da imagem profissional.
- Rever com frequência os próprios limites, para que eles não sejam ultrapassados por pressões externas ou tendências passageiras.
Essa coerência, quando mantida, se torna perceptível não só para colegas de profissão, mas também para quem é atendido — e isso fortalece laços, legitima a escuta e protege o campo clínico.
8. Construir uma escuta própria, sem perder a referência teórica
Durante a formação, é natural que a escuta seja moldada pelas vozes dos autores, das professoras, dos supervisores. No início da prática clínica, essas vozes guiam, orientam, sustentam. Com o tempo, no entanto, é preciso ir criando espaço para que a escuta própria possa emergir.
Ter uma escuta própria não significa abandonar as referências. Muito pelo contrário. Significa integrá-las de forma viva, a partir da própria experiência, dos próprios encontros, dos próprios afetos. Significa permitir que os conceitos se encarnem na prática, e não fiquem presos à rigidez de uma teoria mal digerida.
E essa construção é feita com paciência, com escuta de si, com disposição para questionar — inclusive a si mesmo.
Elementos que ajudam a cultivar uma escuta própria:
- Fazer anotações reflexivas após os atendimentos, sem julgamentos.
- Relacionar situações clínicas vividas com os autores estudados, buscando articulações possíveis.
- Identificar quais afetos se repetem na escuta e o que eles podem estar dizendo.
- Conversar com colegas sobre experiências clínicas sem medo de parecer “menos técnico”.
- Revisitar teorias que causaram incômodo, pois elas costumam conter pontos importantes de diferenciação pessoal.
Essa escuta pessoal não é melhor nem pior do que a de outros profissionais. Mas é única. E é a partir dela que a identidade profissional ganha forma e profundidade.
9. Cuidar da presença clínica como elemento técnico
A presença clínica — esse jeito de estar junto, de escutar com o corpo inteiro, de sustentar silêncios e entrelinhas — muitas vezes é tratada como um talento, uma característica “natural”. Mas não é. Ela pode (e deve) ser cultivada como parte da técnica.
A forma como se entra na sala, como se olha, como se reage ou não reage... tudo isso compõe a experiência de escuta. E, por mais subjetiva que pareça, essa presença pode ser afinada, desenvolvida, treinada.
Além disso, é um cuidado que protege tanto o paciente quanto o profissional. Porque quando se está presente de verdade, é mais fácil reconhecer limites, evitar desgastes desnecessários e perceber nuances que poderiam passar despercebidas.
Estratégias simples para fortalecer a presença clínica:
- Chegar alguns minutos antes da sessão e fazer um breve centramento.
- Observar as próprias reações corporais durante o atendimento (respiração, tensão, inquietações).
- Reservar pequenos intervalos entre atendimentos para transição psíquica.
- Reconhecer quando a mente “foge” da sessão e trazer-se de volta com gentileza.
- Praticar escuta ativa também fora da clínica, como forma de afinar a atenção.
Fortalecer a presença não é sobre parecer mais profissional — é sobre ser mais inteiro naquilo que se faz.
10. Investir em espaços de troca profissional que inspirem confiança
Nem toda conversa entre colegas é produtiva. Nem todo grupo de discussão oferece acolhimento. Por isso, escolher com cuidado os espaços de troca profissional é também uma forma de fortalecer a identidade.
Estar em ambientes onde há escuta real, respeito pelas diferenças e compromisso com a ética ajuda a sustentar a prática, especialmente em momentos de dúvida ou cansaço. Por outro lado, ambientes competitivos, desrespeitosos ou excessivamente teóricos podem mais confundir do que ajudar.
Na equipe da Elaine, entendemos que esses espaços não precisam ser grandes nem formalizados. Às vezes, uma dupla de supervisão entre colegas, um grupo de leitura quinzenal ou uma conversa regular com alguém de confiança já são suficientes para manter a escuta viva e em movimento.
Sinais de um espaço de troca que fortalece a identidade profissional
- Há lugar para a dúvida, sem necessidade de se provar o tempo todo.
- As diferenças teóricas são acolhidas e debatidas com respeito.
- As experiências pessoais não são ridicularizadas ou invalidadas.
- Existe espaço para silêncio, pausa e reflexão, sem pressa por respostas.
- As trocas geram mais clareza e leveza — e não culpa ou sobrecarga.
Se o ambiente em que se está não oferece isso, talvez seja hora de procurar outro. E tudo bem. Cuidar do entorno profissional também é cuidar de si.
11. Revisar a história profissional com gentileza e continuidade
Em vez de se julgar pelas decisões passadas, é possível revisitar a própria história profissional com um olhar mais gentil. Aquela formação que pareceu “errada”, aquele tempo em que se atendeu sem muita clareza, aquele curso que hoje não faz mais sentido... tudo isso também é parte do caminho.
E rever o percurso com esse olhar não significa romantizar, mas compreender. Compreender que a identidade profissional não nasce pronta, mas é costurada ao longo da vida, com pontos firmes e outros mais soltos, com erros e acertos, com hesitações e certezas.
Revisar não é apagar. É integrar. E quando essa integração é feita com continuidade, sem rupturas abruptas ou negações, o lugar de fala profissional se torna mais sólido e confiável.
12. Atualizar a prática sem perder a raiz
Por fim, nenhuma identidade profissional é viva se está congelada no tempo. Atualizar-se é parte do compromisso com o cuidado. No entanto, atualizar não é correr atrás de tendências ou aplicar modismos sem critério. Atualizar é permanecer sensível ao que pulsa na clínica, ao que atravessa o mundo e aos novos modos de sofrer que chegam ao consultório.
A atualização que fortalece identidade é aquela que respeita a raiz. É aquela que parte de um eixo teórico sólido, mas que está aberto à escuta das transformações subjetivas, sociais e clínicas que acontecem a cada ciclo.
Na psicanálise, a escuta contemporânea de autores como McWilliams, Green, André Green e outros traz fôlego para trabalhar questões atuais sem perder a profundidade.
Caminhos éticos de atualização profissional:
- Participar de eventos e grupos de estudo com curadoria de qualidade.
- Evitar formações que prometem “respostas prontas” ou fórmulas infalíveis.
- Refletir sobre os efeitos da atualização na prática real e não apenas na teoria.
- Integrar novas referências com as que já sustentam sua escuta.
- Rever constantemente o que permanece e o que precisa se transformar.
Integrando o caminho da identidade profissional em saúde mental
Falamos em nome da equipe da Elaine Pinheiro quando reconhecemos, com a escuta aberta e os pés bem fincados na prática, que fortalecer a identidade profissional em saúde mental é uma travessia.
Longe de ser uma linha reta ou um conjunto de metas a serem batidas, é uma construção que se move no tempo, atravessada por dúvidas, mudanças e, principalmente, pela escuta real dos processos que se vive — tanto com quem se atende quanto com o próprio percurso interno.
Depois de explorarmos profundamente 12 ações possíveis e transformadoras, é hora de costurar os fios que sustentam tudo isso: consistência, presença e sentido.
Presença não se mede por currículo, mas por implicação
Formações são importantes. Livros são fundamentais. Teorias sustentam. Mas é na implicação com aquilo que se faz — naquilo que se permite sentir, escutar, refletir e sustentar — que se revela o verdadeiro contorno profissional.
Não é sobre fazer tudo certo. É sobre fazer com presença. E isso, no campo da saúde mental, é um gesto político, ético e clínico. A implicação não exige perfeição, mas exige responsabilidade. Exige que se esteja disposto a rever práticas, a escutar desconfortos, a reconhecer limites. Exige, sobretudo, que a gente se pergunte com frequência: o que estou fazendo faz sentido para mim e para quem está comigo neste processo clínico?
Em cada uma das ações listadas ao longo do artigo, esse chamado à implicação está presente. Em outras palavras, a identidade profissional se revela na forma como se responde, com cuidado e coerência, ao que emerge no cotidiano.
Construção de identidade exige continuidade, não pressa
Em um tempo que cobra resultados rápidos, respostas prontas e segurança absoluta, sustentar uma trajetória com tempo, reflexão e escuta própria é um desafio. Mas também é uma escolha que protege. E amadurece.
Quando se fala em fortalecimento de identidade, não se está falando em um lugar fixo, inalcançável ou idealizado. Está-se falando em continuidade. Em atravessar fases, ciclos e contextos com abertura e presença. Em não romper consigo mesmo diante da pressão externa.
A boa notícia? Não é preciso correr.
O que realmente firma uma trajetória profissional sólida é aquilo que se repete com sentido. São os gestos que, com o tempo, ganham corpo e transformam a escuta. E essa repetição com consciência — esse refinamento que se constrói na rotina — vale mais do que qualquer atalho teórico ou fórmula de sucesso.
Quando a prática se alinha à escuta, tudo muda
Sim, pode levar tempo para encontrar o próprio jeito de atuar. Sim, haverá momentos de dúvida, de conflito interno, de medo de não estar “fazendo o suficiente”. E, sim, tudo isso é parte do caminho.
Mas quando a prática começa a se alinhar à escuta — à escuta real do outro e à escuta real de si — algo muda. A clínica ganha densidade. As relações com os pacientes se tornam mais éticas. A comunicação profissional se torna mais clara e coerente. E o trabalho, mesmo diante do desgaste que às vezes impõe, começa a sustentar sentido.
Sinais de que a escuta e a prática estão se alinhando:
- A sensação de estar “em casa” mesmo nos atendimentos mais desafiadores.
- Capacidade de dizer “não sei ainda” com tranquilidade.
- Clareza maior sobre os próprios limites e desejos na atuação.
- Comunicação mais serena e segura com colegas e pacientes.
- Vontade real de continuar aprendendo, sem cobrança excessiva.
Essa mudança não precisa ser celebrada com grandes marcos. Às vezes, ela acontece num silêncio de sessão, numa supervisão que reverbera por dias, ou numa escolha que parecia pequena, mas revelou grandeza.
Perguntas que ouvimos com frequência sobre identidade profissional em saúde mental
1. Qual o primeiro passo para fortalecer minha identidade profissional?
O primeiro passo é reconhecer que identidade se constrói na prática. Isso significa observar o que se faz, por que se faz e o que se sente ao fazer. Ter um espaço de supervisão, de troca com colegas ou até um diário de reflexões pode ajudar a perceber essas nuances.
2. É possível fortalecer a identidade profissional mesmo no início da carreira?
Sim. Identidade profissional não depende de tempo, mas de presença e coerência. Mesmo em início de caminhada, é possível tomar decisões que estejam alinhadas com a ética, com a teoria que sustenta a escuta e com os valores pessoais. E isso já é um gesto potente de construção de identidade.
3. Mudar de abordagem ou linha teórica enfraquece a identidade?
Não necessariamente. O que enfraquece a identidade é o deslocamento sem reflexão, o embarcar em discursos ou práticas que não foram verdadeiramente digeridas. Se a mudança é feita com consciência e embasamento, ela fortalece, amplia e atualiza a escuta.
4. Como saber se minha presença clínica está se fortalecendo?
Alguns sinais comuns: maior capacidade de sustentar silêncios, menos ansiedade com o tempo da sessão, mais segurança na condução dos casos e, principalmente, um aumento na percepção dos próprios afetos durante e após os atendimentos.
5. O que fazer quando me sinto perdido na atuação profissional?
Sentir-se perdido é comum e, muitas vezes, necessário. Pode ser um indicativo de que algo precisa ser revisto — seja na teoria que se estuda, na rotina dos atendimentos ou na maneira como se está cuidando de si. O mais importante é não ignorar esse incômodo. Buscar supervisão, conversar com colegas de confiança e reorganizar prioridades pode ajudar muito nesse processo.
6. Redes sociais atrapalham ou ajudam na construção da identidade?
Depende. Quando usadas com coerência e ética, podem ser espaços de troca e posicionamento profissional. Quando movidas pela comparação, pela pressa de resultados ou pela tentativa de preencher lacunas internas, podem confundir e sobrecarregar. Vale observar como se sente ao produzir ou consumir conteúdo — o corpo sempre avisa.
7. É necessário ter um “nicho” para fortalecer minha identidade?
Não é obrigatório, mas pode ajudar. Ter clareza sobre o que se deseja sustentar como prática clínica ajuda a alinhar decisões, aprofundar estudos e comunicar com mais coerência. Porém, isso não precisa ser definido no início. Pode (e deve) emergir da escuta da própria trajetória.
8. Como equilibrar atualização teórica com coerência prática?
Selecionando com critério. Atualizar-se não significa consumir tudo, mas sim buscar o que realmente dialoga com a escuta. Pergunte-se: isso que estou aprendendo tem lugar na minha prática? Consigo sustentar isso com ética e presença? Se a resposta for sim, é um bom caminho.
9. A identidade profissional muda ao longo da vida?
Sim, e isso é saudável. Com o tempo, novas experiências, novas supervisões, novos estudos e novos afetos vão compondo camadas na atuação clínica. O que não muda é o eixo — aquela linha ética e teórica que sustenta a prática, mesmo diante das transformações.
10. O que fazer quando me sinto distante da minha identidade profissional?
Voltar para o que tem sentido. Revisar atendimentos que marcaram, reabrir livros que tocaram, conversar com quem acompanha a trajetória. Às vezes, basta um pequeno gesto para relembrar o porquê de tudo isso. E é aí que a identidade se reencontra.
Resumo para guardar, consultar e retornar sempre que precisar:
- Presença é técnica. Ser inteiro nos atendimentos fortalece a escuta e protege a prática.
- Identidade se constrói na prática. E não em títulos, modismos ou pressa.
- É possível mudar com coerência. Atualizações fazem parte, desde que respeitem a ética da escuta.
- Espaços de troca importam. Ambientes éticos e respeitosos sustentam a caminhada.
- A clínica ensina. E quem aprende com ela encontra firmeza para sustentar sua identidade.




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