22 de Agosto de 2025 • Leitura: 18 min

Saúde mental: 10 dilemas éticos no início da prática clínica

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Saúde mental: 10 dilemas éticos no início da prática clínica

A equipe da Elaine Pinheiro tem acompanhado de perto os desafios que emergem quando a prática clínica deixa de ser um plano e se torna realidade, e é nesse exato momento que muitos dilemas éticos passam a ocupar espaço demais no pensamento — entre consultas, anotações, supervisões e silêncios longos no consultório.


São dúvidas que nem sempre vêm com respostas prontas. Elas se instalam lentamente e, quando percebemos, estão moldando a forma como nos posicionamos, escutamos, conduzimos o tempo da sessão ou mesmo decidimos manter (ou não) um contrato terapêutico. A sensação é de que todo cuidado é pouco. E é mesmo.


Só que o excesso de cautela pode, muitas vezes, engessar a atuação de quem se dedica com profundidade à prática clínica na saúde mental — especialmente no início. Por isso, este artigo foi pensado como um convite à reflexão prática, sem perder de vista a complexidade e a responsabilidade que envolvem cada gesto clínico.


Mais do que certo ou errado, a ideia aqui é abrir espaço para que cada dilema seja compreendido a partir de suas camadas, implicações e possibilidades de decisão. Com base em evidências científicas, códigos de ética profissional e vivência clínica acumulada em formação e supervisão, reunimos os dilemas que mais têm aparecido entre quem está começando a atender, ou mesmo quem recomeça após um tempo de pausa, transição ou insegurança.


Vamos falar sobre isso com seriedade, mas também com leveza. Porque ética, afinal, é forma de cuidar.


Quando o certo parece incerto: dilemas éticos que vêm com o tempo

Nem sempre é fácil reconhecer um dilema ético quando ele surge. Às vezes, ele se disfarça de um simples desconforto: aquela sensação de que algo na relação terapêutica está desalinhado, mas não se sabe bem o quê.


Outras vezes, o dilema aparece de forma nítida, cortante — como no momento em que se escuta algo sensível e, ao sair da sessão, fica a dúvida se o sigilo deve mesmo ser mantido. Ou então, quando um paciente traz um pedido fora do comum, e a fronteira entre acolhimento e conivência parece muito mais tênue do que se imaginava.


Esses são só alguns exemplos do que pode emergir. E a verdade é que, na maioria das vezes, nenhuma resposta será simples. Os dilemas éticos não estão em manuais porque não cabem em protocolos fixos. Eles precisam ser escutados, analisados e cuidados dentro do contexto e da singularidade de cada vínculo clínico.


Ainda assim, existem alguns temas que se repetem. E conhecer esses temas de antemão é um recurso importante para sustentar o próprio posicionamento com mais segurança, escuta ativa e responsabilidade.


Com base em diversos atendimentos supervisionados ao longo dos últimos anos, elencamos os 10 dilemas que mais têm se mostrado presentes no início da prática clínica.


Entre escuta e limites — quando o contrato terapêutico é testado

Entre os primeiros dilemas éticos, um dos mais comuns gira em torno do cumprimento do contrato terapêutico. Frequentemente, esse dilema aparece quando pacientes pedem para remarcar sessões de última hora, atrasam-se com frequência, propõem valores alternativos ou até sugerem outras formas de pagamento.


Na prática, o profissional se vê dividido entre acolher a realidade do paciente e manter o limite previamente combinado. Afinal, recusar o pedido pode soar como uma rigidez excessiva, mas aceitar repetidamente pode colocar em risco a consistência do processo terapêutico.


O dilema aqui está no ponto exato em que acolher vira permissão indefinida. E essa linha, apesar de fina, precisa ser bem desenhada. Ao mesmo tempo em que a escuta deve ser sensível ao contexto do paciente, o enquadre precisa ser mantido como estrutura protetiva da relação clínica.


Este tipo de situação exige que o profissional compreenda o valor do enquadramento clínico como recurso terapêutico, e não apenas como formalidade. E mais: que seja possível sustentar limites de forma ética, afetiva e coerente, inclusive com flexibilidade — desde que ela seja pensada com critérios, e não com medo.


Autenticidade ou neutralidade? O lugar do analista em tempos de exposição

Outro dilema muito presente é o da exposição do profissional nas redes sociais, especialmente quando o atendimento clínico é desenvolvido de forma autônoma. O desejo de se posicionar publicamente, compartilhar ideias ou até divulgar seu trabalho convive com o receio de ser mal interpretado por pacientes — ou, ainda, de que o conteúdo postado interfira na condução do processo terapêutico.


É nesse ponto que surge a dúvida: até que ponto a autenticidade do profissional pode coexistir com a necessária neutralidade técnica?


O código de ética orienta que o psicólogo deve zelar pelo sigilo, pelo não julgamento e pelo respeito à singularidade de cada sujeito. Isso não significa, contudo, que o profissional precise se anular, mas sim que a forma como se expõe publicamente precisa ser pensada à luz da escuta, da coerência e da função que ocupa como facilitador de processos.


Em vez de respostas fechadas, o que propomos aqui é uma reflexão contínua: a forma como o profissional aparece fora do setting diz algo sobre o tipo de cuidado que ele sustenta dentro dele? A pergunta, por si só, já orienta decisões mais éticas.


Dilemas que ninguém ensina, mas todo mundo enfrenta

Conforme o tempo passa e os atendimentos aumentam, outros dilemas passam a surgir. Alguns deles não são ensinados em nenhuma disciplina da graduação ou da pós-graduação, mas aparecem com frequência surpreendente no dia a dia do consultório.

Para exemplificar melhor, listamos algumas dessas situações abaixo:


  • Receber presentes simbólicos de pacientes: aceitar ou recusar?
  • Atender pessoas próximas (ex: parentes de pacientes atuais): onde termina a confidencialidade?
  • Sentir afeto além do vínculo terapêutico: como lidar com contratransferência intensa?
  • Acompanhar pacientes com perfis opostos aos próprios valores pessoais: é possível?
  • Ser convidado a dar opinião ou conselho direto em momentos de crise: como sustentar o papel de escuta?


Quando o cuidado exige coragem — e supervisão também

Muitos dilemas não precisam — e não devem — ser enfrentados sozinhos. A prática clínica, especialmente no início, pede que o profissional conte com redes de apoio técnico e emocional. E é nesse ponto que a supervisão se mostra como um dos instrumentos éticos mais potentes da formação continuada.


Por isso, sempre que um dilema parecer pesado demais, vago demais ou difícil demais, a indicação é clara: procure supervisão. Nesses espaços, há possibilidade de pensar o caso com mais clareza, identificar pontos cegos, fortalecer posicionamentos e, sobretudo, cuidar do cuidado.


Diante disso, reforçamos alguns movimentos éticos essenciais que ajudam a prevenir e sustentar a conduta com mais consistência:

  • Formalize o contrato terapêutico desde o início, com valores, frequência e diretrizes claras.
  • Documente o que for pertinente de cada sessão (respeitando o sigilo).
  • Esteja atualizado(a) sobre o código de ética profissional da sua categoria.
  • Tenha um espaço fixo de supervisão — inclusive preventiva, e não apenas quando surgem dilemas.
  • Reflita sobre seus próprios valores e limites, para não ser capturado por identificações inconscientes.

Na etapa seguinte, vamos mergulhar nos primeiros cinco dilemas éticos com profundidade — cada um com exemplos práticos, argumentos técnicos e estratégias para sustentar a ética com coerência, cuidado e escuta ativa. A ética clínica começa nos pequenos gestos, e se fortalece justamente nas dúvidas — quando elas não são abafadas, mas pensadas com coragem, com presença e com compromisso. O caminho segue. Vamos juntos.


A equipe da Elaine Pinheiro entende que, à medida que os atendimentos avançam e os vínculos clínicos se aprofundam, situações delicadas passam a exigir respostas mais complexas — e é justamente aí que alguns dos dilemas éticos mais comuns começam a se manifestar, trazendo a necessidade de uma escuta ainda mais refinada não só do outro, mas também de si.


A seguir, mergulhamos em cinco dilemas frequentes no início da prática clínica, com comentários, estratégias e caminhos possíveis para enfrentá-los com ética, humanidade e consciência.


1. Reagendar repetidamente: flexibilidade ou falta de limite?

Poucas situações geram tanto desconforto quanto os cancelamentos constantes de sessões por parte do paciente. Em geral, a primeira reação é tentar compreender o motivo, o que é absolutamente legítimo. Afinal, a clínica é também o espaço onde os impasses aparecem e podem ser elaborados.


No entanto, quando a frequência das remarcações se torna padrão, é hora de refletir: até que ponto acolher as circunstâncias do paciente está contribuindo para o processo? Ou será que está permitindo uma forma sutil de evasão?


Esse dilema não é resolvido por uma fórmula única. Ainda assim, alguns critérios ajudam a sustentar uma decisão ética:

  • A frequência das sessões está comprometida a ponto de prejudicar o vínculo terapêutico?
  • O paciente sinaliza desejo de continuar, mesmo com as ausências?
  • Existe algum padrão clínico no comportamento de remarcar, como culpa, medo ou retraimento?
  • O profissional está se sentindo desconfortável, sobrecarregado ou culpado?


Não há dilema ético que se resolva sozinho — e esse é um dos que mais se beneficia de um espaço constante de supervisão. Falar sobre esse tipo de situação com um par clínico é essencial para evitar decisões impulsivas, baseadas apenas em empatia ou rigidez.


Além disso, cabe sempre lembrar: o enquadre não existe para dificultar, mas para oferecer continência psíquica ao processo. Manter a estrutura do trabalho é uma forma ética de zelar por ele.


2. O que fazer quando o paciente pede conselhos diretos?

É cada vez mais comum que pacientes cheguem ao consultório desejando uma resposta direta. Às vezes, o pedido vem em forma de súplica, como quem busca um norte rápido: "O que você faria no meu lugar?" ou "Você acha que eu devo me separar?". Outras vezes, é um teste: o paciente quer saber até onde o profissional vai, se cede ou se sustenta no lugar de escuta.


Esse dilema é especialmente delicado. Afinal, sabemos que respostas prontas podem funcionar como atalhos, mas nem sempre conduzem ao caminho mais transformador. Ao mesmo tempo, há momentos de sofrimento agudo em que o silêncio pode ser percebido como frieza.


Aqui, o importante é reconhecer que não existe neutralidade absoluta. A forma como o terapeuta responde (ou não responde) já comunica algo. O dilema ético está justamente em como responder de maneira ética, sem colonizar a decisão do outro.


Uma alternativa possível é devolver a pergunta com escuta e elaboração:

→ “Essa dúvida está muito presente para você. O que está em jogo nessa decisão?”

→ “Você sente que precisa de uma resposta externa porque está sem acesso à sua própria vontade?”

→ “Você já percebeu o que espera de mim nesse momento?”


Esses movimentos ajudam a preservar a ética da escuta e a construir autonomia, sem abandonar o paciente num momento de incerteza.


3. Quando a transferência se intensifica e o vínculo desafia a ética

A transferência é um fenômeno esperado, natural e até necessário na clínica. Ela permite que o paciente repita, simbolize e reelabore formas antigas de relação. Mas quando essa transferência se intensifica e começa a gerar uma dependência emocional explícita, o profissional pode se ver diante de um impasse: até que ponto essa dinâmica é clinicamente produtiva, e em que momento ela passa a comprometer o processo?


Um exemplo frequente: o paciente começa a mandar mensagens fora do horário, pede encontros fora da sessão ou declara sentimentos mais intensos, com desejo de proximidade.


Diante disso, o profissional precisa encontrar uma forma ética de se posicionar. E o ponto central aqui não é “interromper o vínculo”, mas sim sustentar o espaço com firmeza, reconhecendo os afetos envolvidos e devolvendo ao processo clínico o que tende a se deslocar para fora dele.


Para lidar com esse tipo de dilema:

  • Reforce o espaço da sessão como lugar exclusivo para a elaboração do vínculo.
  • Valide os sentimentos do paciente, mas sustente o limite com cuidado.
  • Leve a situação à supervisão, principalmente se perceber eco emocional forte em si.
  • Relembre o contrato terapêutico, especialmente se houver tentativas de ultrapassá-lo.

4. Atender familiares, amigos ou conhecidos: até que ponto?

Outro dilema muito comum no início da prática clínica é o atendimento a pessoas conhecidas — seja por laço direto, seja por proximidade com pacientes atuais. A tentação de aceitar esses casos vem muitas vezes do desejo de preencher a agenda ou ajudar alguém querido, mas os riscos são altos.


A relação prévia pode interferir na escuta, e o sigilo pode ser comprometido, mesmo que de forma sutil. Mais do que isso, o vínculo terapêutico pode acabar contaminado por expectativas recíprocas, trocas indiretas ou projeções que escapam ao setting.

A orientação técnica é clara: evite atender quem já faz parte da sua rede social, familiar ou profissional. Quando isso não for possível, alguns cuidados devem ser tomados:


  • Explicite desde o início os riscos éticos e afetivos envolvidos.
  • Formalize o contrato terapêutico com ainda mais clareza.
  • Avalie com rigor a possibilidade de transferência cruzada.
  • Sempre que houver dúvida, opte por encaminhar a outro profissional.

Esse é um dilema que, embora pareça simples, pode gerar consequências sérias se não for pensado com profundidade. E é justamente aí que o cuidado ético se mostra mais importante.


5. Julgamento silencioso: quando o paciente vive algo que contraria os valores do terapeuta

Por fim, um dos dilemas mais sutis — e ao mesmo tempo mais complexos — diz respeito à escuta de realidades que contrariam os valores pessoais do terapeuta. Pode ser uma prática cultural, uma escolha de vida, uma posição política ou religiosa. De forma implícita, esse julgamento pode se instalar na escuta, enfraquecendo a neutralidade e comprometendo o acolhimento.


Esse dilema nem sempre é percebido de imediato. Muitas vezes, ele se revela no incômodo silencioso, na evitação de temas ou na dificuldade em sustentar o vínculo com autenticidade.


A saída ética, aqui, é a reflexão contínua sobre o próprio lugar. Em vez de se exigir uma neutralidade impossível, o terapeuta precisa cultivar uma escuta crítica de si, onde os próprios valores não sejam reprimidos, mas reconhecidos — para que não atuem de forma inconsciente.


Além disso, vale lembrar que o compromisso ético é com o processo do paciente. Se os valores em jogo forem incompatíveis a ponto de afetar a condução clínica, é dever do profissional encaminhar o paciente com respeito e clareza.


Lista prática de atitudes éticas diante dos cinco primeiros dilemas:

  • Formalizar sempre o contrato terapêutico, mesmo que de forma simples.
  • Documentar observações relevantes com atenção e sigilo.
  • Manter espaço regular de supervisão clínica.
  • Reforçar os limites com afeto e clareza.
  • Revisar o código de ética periodicamente.
  • Reconhecer as próprias reações emocionais sem julgamento.
  • Evitar atuar por impulso ou culpa.
  • Estabelecer um ritual pessoal de preparação antes e depois das sessões.
  • Cultivar espaços de cuidado e formação contínua.
  • Compartilhar dilemas com pares, sempre preservando o sigilo.


Na próxima etapa, exploraremos outros cinco dilemas éticos — com o mesmo cuidado, profundidade e leveza. Cada dilema traz consigo uma oportunidade valiosa: repensar o lugar da escuta, fortalecer o vínculo terapêutico e reafirmar o compromisso com a ética viva, que se constrói na prática, no detalhe e na presença.


6. Solicitação de contatos pessoais – janela ou muro?

Alguns atendimentos desenvolvem tanta confiança que, aos poucos, o paciente começa a buscar pontos de contato fora da clínica: mensagem por WhatsApp, perguntas por rede social, ou aquele “posso te enviar um artigo?”. É um gesto que pode surgir do desejo legítimo de manter a conexão, mas que imediatamente apresenta um dilema ético: até onde o cuidado continua sendo clínico, e em que ponto se dilui?


O cuidado começa por reconhecer que o setting clínico se torna vulnerável quando transbordado. Cada abertura de canal precisa ser acompanhada por uma reflexão: “isso mantém o vínculo clínico ou o fragiliza?”


Algumas pistas para se posicionar com tato:

  • Redirecionar de forma gentil e segura o contato aos canais adequados, como e-mail institucional ou agenda.
  • Reafirmar os limites do atendimento, sem invalidar o afeto expresso.
  • Documentar a situação caso ela se repita, para acompanhar o impacto no processo.
  • Discutir com supervisão quando o vínculo empurra para fora do setting.


É importante lembrar que esse tipo de solicitação não surge apenas da fantasia de proximidade, mas também de uma necessidade de suporte que pode caber na relação clínica — desde que essa linha seja explicitamente manejada.


7. Gratidão além do consultório – limites simbólicos

Poucos gestos são tão carregados quanto um presente trazido com afeto ao final de uma sessão. Um livro, uma comida feita em casa, um objeto simbólico… tudo isso pode ser interpretado como um sinal de vínculo e reconhecimento. Mas ao mesmo tempo, esse gesto aciona um dilema ético: até que ponto aceitar pode parecer demoradorefuerzo e, ao contrário, recusar pode significar dizer “seu gesto não é bem-vindo”?


Na prática clínica, a resposta que ressoa com mais cuidado é a da ponderação afetiva, que permite:

  • Aceitar presentes simbólicos pequenos, com agradecimento e leveza.
  • Recusar presentes de valor significativo, explicando que o vínculo é mantido fora do símbolo.
  • Usar o momento como própria material clínica: “Esse gesto fala algo importante sobre seu vínculo conosco”.
  • Proteger a neutralidade do setting, inclusive em pequenos gestos.


O cuidado ético aqui é entender o presente como possibilidade de elaboração, e não como obrigação ou decretos simbólicos.


8. Emergências fora do horário – chamada ética pelo acolhimento

Quando atende de verdade, o consultório pode se tornar espaço de vida e de urgência. E nem sempre a autopreservação encontra ressonância na necessidade do outro que vive um momento de crise entre as sessões. Atender a uma situação emergencial é gesto humano, mas torna-se dilema quando a exposição da vulnerabilidade se infiltra em solo clínico.


A prática ética recomenda:

  • Construir, desde o início, um plano claro de emergência e serviços disponíveis.
  • Informar os limites do atendimento (horários, canais emergenciais, protocolos).
  • Manter qualquer suporte fora desses parâmetros como gesto compassivo, não como regra.
  • Discutir na supervisão os impactos dessa flexibilidade no processo e na estrutura clínica.


O dilema aqui não questiona a humanização, mas alerta para os riscos de dispersão que podem fragilizar o cuidado consistente.


9. Diagnósticos precipitadas – segurança na escuta

A vontade de trazer clareza à dor do outro pode ser intensa, e nem sempre os rótulos clínicos resistem à tentação inicial. Diagnosticar com pressa se torna risco de reduzir o sujeito, de encerrar o “por enquanto” da história.


A jornada ética passa por:

  • Manter uma escuta aberta e enquadrada no processo, evitando conclusões rápidas.
  • Priorizar a hipótese como mapa provisório, não arquitetura final.
  • Buscar formação continuada sobre psicanálise contemporânea e psicopatologia.
  • Validar com o paciente a necessidade de aprofundar antes de rotular.

No consultório, a prudência ao nomear é ato de cuidado — mais do que tecnicismo, é compromisso com a escuta plena.


10. Cansaço do terapeuta – quando o cuidado precisa de cuidado

Talvez esse seja o dilema que menos aparece nos livros, mas é o que mais revela humanidade: cuidar de quem está cansado. Quando o desgaste pessoal interfere nele mesmo, a qualidade da escuta e da técnica pode ser comprometida — e a ética exige que o terapeuta se cuide, porque quem cuida também precisa cuidado.


Alguns meios de sustentar isso com responsabilidade:

  • Reconhecer sinais próprios de sobrecarga e pedir supervisão.
  • Possuir redes de suporte pessoal e profissional que permitam respirar.
  • Reduzir carga de atendimentos quando necessário, com consciência.
  • Buscar pausas reflexivas, constância em autocuidado e limites claros.

A ética clínica, nesse sentido, se complementa com autodignidade — e reafirma que cuidar também é saber parar.


Pontos práticos para navegar pelos dilemas 6 a 10 com consciência clínica:

  • Redirecionar contatos fora do setting com gentileza e clareza.
  • Acolher gestos simbólicos com estrutura, evitando distorções.
  • Criar protocolos de emergência transparente e seguros.
  • Evitar diagnósticos rápidos, valorizando a escuta e a hipótese.
  • Cuidar de si como prática clínica indispensável.


Cada dilema traz uma janela que amplia a prática clínica — e a ética, enxergada dessa forma, torna-se gesto vivo, resistente às urgências e generoso com o processo humano que acolhe. Na etapa seguinte, chegaremos à conclusão, sintetizando os 10 dilemas com um olhar realista-encorajador, revisitando o compromisso com o cuidado deliberado na prática clínica


10 dilemas éticos comuns no início da prática clínica

A equipe da Elaine Pinheiro reconhece que os dilemas éticos vivenciados na rotina clínica, longe de enfraquecer o cuidado, são pontos de virada para quem busca crescer com responsabilidade e presença, e é exatamente nessa síntese que acontece a densificação do compromisso ético — e por isso esta etapa integra os principais aprendizados com uma chamada à reflexão contínua e construtiva.


Ao longo deste artigo, passamos por 10 dilemas que emergem frequentemente no começo da prática clínica — desde o simples deslocamento de limites terapêuticos até as ambiguidades do vínculo transferencial, passando por temas como exposição digital, intervenções fora do setting e cuidado pessoal. Essa lista foi construída não como manual definitivo, mas como um mapa emocional e ético para quem atua com sensibilidade, exigência e prática deliberada.


Síntese dos 10 dilemas — o que eles nos ensinam sobre ética vivida

  1. Remarcações frequentes: elas desafiam o limite e o cuidado estrutural, ensinando sobre a importância de enquadramento como possibilidade terapêutica e não como barreira.
  2. Pedidos de conselhos diretos: eles revelam a necessidade de cultivar autonomia no paciente, sem abdicar da escuta acolhedora.
  3. Intensificação da transferência: ela pode fortalecer ou fragilizar, dependendo da qualidade do manejo e do vínculo clínico, especialmente se não for tratado com supervisão e tato.
  4. Atendimento a conhecidos: traz à tona o risco da subjetividade invadir o setting, exigindo clareza ética e, muitas vezes, encaminhamento.
  5. Julgamentos implícitos: lembram que a neutralidade não é anulação, mas escuta autocrítica e necessidade de alinhamento contínuo com a ética do acolhimento.
  6. Contatos fora do consultório: necessitam de política clara e consciente, integrando limites e acolhimento com consciência do setting.
  7. Presentes simbólicos: podem ser janela para conteúdos clínicos, mas também exigem fronteiras com leveza e atitude reflexiva.
  8. Crises fora do horário: reforçam o valor dos protocolos de emergência, com cuidado humano, porém sem desestruturação.
  9. Diagnóstico prematuro: enfatiza a ética da hipótese, da escuta prolongada e da prudência clínica, evitando rótulos precoces.
  10. Cansaço do terapeuta: lembra que ética não se sustenta sem autodignidade nem reconhecimento da própria vulnerabilidade.


Acolhendo a ética como dimensão clínica

Esses dilemas, quando acolhidos e refletidos com generosidade, revelam que a ética clínica não é um conjunto de frases prontas, mas um movimento contínuo, baseado em:

  • atenção ao vínculo clínico em sua totalidade — inclusive àquele que se deposita sobre quem cuida;
  • prática deliberada do cuidado com limites claros e flexíveis, conforme a necessidade do processo;
  • supervisão ativa, que devolve reflexividade e fortalece a tomada de decisão com criatividade ética;
  • autocuidado com presença consciente, essencial para sustentar o espaço de escuta do outro.


A ética, portanto, precisa ser habitada com leveza e firmeza ao mesmo tempo, permitindo que cada dilema se torne oportunidade de crescer, ajustar e reinventar o posicionamento clínico.


Pontos práticos para levar adiante

  • formalize o contrato terapêutico desde o início, construindo acordos claros que sirvam como suporte nos dilemas;
  • mantenha um espaço de supervisão regular, não apenas reativo, mas preventivo, que ajude a refletir em tempo real sobre os dilemas;
  • fortaleça sua própria escuta ética com escrita reflexiva após os atendimentos, nourishando sua própria capacidade de presença;
  • cuide de si como prática ética, reconhecendo quando você também precisa ser atendido;
  • experimente construir uma rede de apoio profissional e afetivo que permita sustentar os dilemas com amparo, não sozinhos.


Os dilemas éticos não são falhas — são sinais do campo clínico vivo. Cada um deles escancara que a prática clínica não se sustenta por protocolos, mas por presença, responsabilidade e coragem para olhar o que surge com cuidado. Por isso, abrir-se ao dilema não desvanece o cuidado, mas o fortalece.


Esse ciclo de escuta ética pode ser o terreno fértil em que a clínica se renova, não apenas para o paciente, mas para quem acolhe com comprometimento. Como Elaine costuma dizer, “a ética clínica acontece no detalhe, e se fortalece na reflexão partilhada”. Fale conosco para saber mais sobre atendimento clínico!

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